sexta-feira, 25 de março de 2011

Manter as portas abertas (II)

Segue um pequeno trecho que retirei do livro "Previsivelmente Irracional" (págs. 120-122), de Dan Ariely. Este livro também foi inspirador do pensamento que ocupará os próximos posts. Desta maneira, acho conveniente ocupar este espaço para registrar o pensamento de Ariely.


(…) Em 1914, o filósofo Erich Fromm escreveu um livro chamado O medo da liberdade. Em uma democracia moderna, disse ele, não somos acossados pela falta de oportunidades, mas por uma estonteante abundância delas. Em nossa sociedade moderna, é isso mesmo o que acontece. São contínuos os lembretes de que podemos fazer qualquer coisa e ser qualquer coisa que quisermos. O problemas está em viver à altura desse sonho. Precisamos evoluir de todos os modos possíveis; temos de experimentar todos os aspectos da vida; ter a certeza de que, das mil coisas a ver ates de morrer, não paramos na número 999. Mas, então, surge um problema – não estamos nos espalhando demais? A tentação que Fromm descrevia, creio, é o que vimos ao observar nossos participantes correndo de uma porta para outra.


Correr de porta em porta é uma atividade humana já bem estranha. Ainda mais estranha, porém, é nossa compulsão em correr atrás de portas de pouco valor – oportunidades quase mortas, ou que já têm pouco interesse para nós

(…)

Precisamos é começar a fechar algumas de nossas portas. As portas pequenas, naturalmente, são bem fáceis de fechar. É fácil riscar nomes de nossas listas de cartões de Natal, por exemplo, ou tirar o tae kwon do do rol de atividades de nossa filha

Mas as portas maiores (ou aqueles que parecem maiores) são mais difíceis de fechar. As portas que podem levar a uma nova profissão, ou a um emprego melhor, podem ser difíceis de ser fechadas. As portas amarradas a nossos sonhos também são difíceis. E também os relacionamentos com certas pessoas – mesmo que não pareçam levar a lugar algum.

Temos uma compulsão irracional de manter portas abertas. Fomos programados assim. Mas isso não quer dizer que não devamos tentar fechá-las. (…)

(…)

Precisamos sair de comitês que sejam perda de tempo e para de enviar cartões de Natal para gente que já mudou de vida e de amigos. Precisamos definir se temos tempo mesmo para assistir ao basquete, jogar golfe e squash, e manter nossa família unida; talvez devêssemos deixar alguns desses esportes de lado. Devemos abandoná-los porque sugam energia e empenho, afastando-nos das portas que deviam ficar abertas – e porque nos enlouquecem.

Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões / Dan Ariely ; tradução Jussara Simões – Rio de Janeiro : Elsevier, 2008.


sexta-feira, 18 de março de 2011

O Carrasco do Amor (I)

Segue um pequeno trecho que retirei do livro "O Carrasco do Amor" (págs. 16-19), de Irvin Yalom. Ele serve como caminho para um pensamento que posteriormente será transcrito em bits.



Todo terapeuta sabe que o primeiro passo crucial na terapia é a aceitação por parte do paciente da responsabilidade pela sua condição de vida. Na medida em que a pessoa acredita que seus problemas são causados por alguma força ou entidade fora dela, não há avanço na terapia. Afinal de contas, se os problemas estão fora, por que a pessoa deveria se modificar? É o mundo externo (amigos, trabalho, cônjuge) que deveria ser modificado – ou trocado.

(...)

Embora a aceitação da responsabilidade conduza o paciente ao limiar da mudança, ela não é sinônimo de mudança. (...) A liberdade não apenas requer que aceitemos a responsabilidade por nossas escolhas de vida, como também pressupõe que a mudança demanda um ato de vontade.

(...)

É pela vontade, o principal motivo da ação, que nossa liberdade se desenvolve. Eu vejo a vontade tendo dois estágios: uma pessoa começa por meio do desejo e depois realiza, por meio da decisão.

Algumas pessoas têm desejos bloqueados, não sabem o que sentem nem o que querem. Sem opiniões, sem inclinações, elas se tornam parasitas dos desejos dos outros.

(...)

Outros pacientes não conseguem decidir. Embora saibam exatamente o que querem e o que precisam fazer, eles não conseguem agir, e, ao contrário, ficam no mesmo lugar, atormentados, diante do portal da decisão.

(...)

Decisões são difíceis por muitas razões, e algumas atingem o próprio cerne da existência. John Gardner, em seu romance Grendel, fala de um homem sábio que resume suas meditações sobre os mistérios da vida em dois postulados simples, mas terríveis: “as coisas desaparecem gradualmente: as alternativas se excluem.” (...) “as alternativas se excluem”, é uma chave importante para compreendermos por que a decisão é difícil. A decisão invariavelmente envolve renúncia: para cada sim deve haver um não, cada decisão elimina, ou mata, outras opções (a raiz da palavra decidir significa “matar, como em homicídio ou suicídio).

O Carrasco do Amor / Irvin D. Yalom; tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese, – Rio de Janeiro: Ediouro, 2007 


P.S.: Aos que sentiram incomodados pela presença do termo "paciente" neste texto, faço uso das palavras do autor: "A condição de ser paciente é onipresente; a aceitação do rótulo é amplamente arbitrária e frequentemente depende mais de fatores culturais, educacionais e econômicos do que da severidade da patologia".