(...)
Olha, passei a noite toda respirando, estou respirando desde
que acordei, e juro que agora é primeira vez que eu penso no ar. Não pensei nem
falei no ar porque somos bons amigos. Ele entra e sai do meu corpo quando quer,
sem pedir licença. Mas a estória seria outra se eu estivesse com asma, os
brônquios apertados, o ar sem jeito de entrar, ou, como naquele anúncio antigo
do xarope Bromil, o coitado do homem sufocado por uma mordaça, gritando pelo ar
que lhe faltava. Por via das dúvidas até andaria com uma garrafa de oxigênio na
bagagem, para qualquer emergência.
– Pois Deus é como o ar – continuei. – Quando a gente está
em boas relações com ele, não é preciso falar. Mas quando a gente está atacado
de asma, então é preciso ficar gritando por Deus. Do jeito como o asmático
invoca o ar. Quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual.
(...)
Não acredito em oração em que a gente fala e Deus escuta. Acredito mesmo é na oração em que a gente fica quieto para ouvir a voz que se faz ouvir no meio do silêncio.
Alves, Rubem. Palavras para desatar nós; Campinas -- SP. Papirus, 2011. Págs. 44 e 45.