domingo, 13 de janeiro de 2013

Asmático Espiritual


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Olha, passei a noite toda respirando, estou respirando desde que acordei, e juro que agora é primeira vez que eu penso no ar. Não pensei nem falei no ar porque somos bons amigos. Ele entra e sai do meu corpo quando quer, sem pedir licença. Mas a estória seria outra se eu estivesse com asma, os brônquios apertados, o ar sem jeito de entrar, ou, como naquele anúncio antigo do xarope Bromil, o coitado do homem sufocado por uma mordaça, gritando pelo ar que lhe faltava. Por via das dúvidas até andaria com uma garrafa de oxigênio na bagagem, para qualquer emergência.

– Pois Deus é como o ar – continuei. – Quando a gente está em boas relações com ele, não é preciso falar. Mas quando a gente está atacado de asma, então é preciso ficar gritando por Deus. Do jeito como o asmático invoca o ar. Quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual.

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Não acredito em oração em que a gente fala e Deus escuta. Acredito mesmo é na oração em que a gente fica quieto para ouvir a voz que se faz ouvir no meio do silêncio.  




Alves, Rubem. Palavras para desatar nós; Campinas -- SP. Papirus, 2011. Págs. 44 e 45.


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